terça-feira, 21 de abril de 2009

Notas de uma aprendiz em construção

Foto: internet

Sou o intervalo entre o que desejo ser
e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, porque também há vida...

by Álvaro de Campos

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Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo.

by Wittgenstein

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É preciso ser diferente para ver diferente.

by Rubem Alves


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Em minhas mais novas reminiscências, recuperei meu amor pelo estudo e pelos livros. Se existem fadas madrinhas? Existem, sim! A minha foi responsável direta por eu gostar muito de ler. Ela era professora e dona de uma escolinha, a D. Lourdes. Me recordo vagamente dos corredores da escola dela, de brincadeiras de leituras e do primeiro livro que ela me deu de presente - a bíblia da criança. Ela plantou, regou, e minha mãe, que fique claro, sempre cultivou em mim o hábito de estudar. Não posso recuperar em minha memória algum momento em que eu não estivesse curiosa a respeito de alguma coisa. Não consigo me lembrar de minha infância sem as brincadeiras de escolinha. Não sou capaz de ver meu passado sem os livros. Desde que "me entendo por gente", eu estudo. Aprendi a ler cedo. Fui alfabetizada no SESC em meados da década de 70. Toda a minha vida escolar básica em colégio de freira foi com professores rígidos, métodos tradicionais e Educação Moral e Cívica. Eu cantava o hino do Brasil enquanto hasteavam a Bandeira, rezava antes de começar a aula e esperava ansiosamente pelo recreio. Como eu corria no recreio! Mas também adorava ficar conversando com as colegas, fazendo o dever, copiando, copiando, copiando. Como eu copiava! E treinava para manter minha letra redondinha - porque era chique! Um dos meus hobbies era acertar tudo no ditado. Mas também contava os dias para as festas juninas e as longas filas indianas. Os ensaios eram momentos de interação e também de treino da organização. Sou muito organizada, devido à educação da minha mãe e também a esses ensaios na escola. Engraçado... Lembro que eu lia muito, mas não me lembro das visitas à biblioteca da escola, nem dos meus professores do primário. Sempre achei muito engraçado eu não ter lembrança alguma deles! O primeiro livro que me marcou muito na pré-adolescência foi A droga da obediência. Acho que é porque eu já sabia dos futuros surtos de rebeldia. Fui preparada. Dos professores do segundo grau? Lembro de vários. Eles marcaram muito mais minha história. De fato, ainda sei de conceitos da física e da biologia, de letras de músicas em inglês, de todos os paradigmas verbais regulares, de fundamentos do basquete, de geometria. Lembro do carinho deles conosco, da proximidade. Parecia, em alguns momentos, colegas. É. O diretor era um horror! Grosso, estúpido, mal educado, castrador, todo o oposto do que todas as teorias pedagógicas pregam. E o gosto pela leitura foi crescendo. As amizades foram se firmando. Eu jogava basquete no time da escola. Tinha algumas paqueras. No entanto, nunca deixei o gosto pelos estudos até mesmo porque eu não podia perder a bolsa de estudos que minha mãe havia conseguido com muito esforço. No final do ensino médio eu não tinha a mínima ideia do que faria realmente. Fiz vestibular para ciência da computação, jornalismo e letras. Deu certo o caminho do magistério. Descobri a linguística na faculdade de letras, mas parece que eu já sabia que ia enveredar por esses caminhos. Quando eu tinha uns 7 anos, viajei para o interior da Bahia, onde mora meu avô paterno. Naquela época, era zona rural. Aliás, meu trânsito pela zona rural sempre foi intenso. Mas, na Bahia, percebi as variações da língua. Meus primos falavam diferente de mim. E eu pedia que repetissem mil vezes o abecedário. Do jeito deles era muito mais melódico. Na época, 25 anos atrás, eu não imaginava o que era ser cientista da língua. Hoje sei da importância dos meus antecedentes rurais para a minha formação - honestidade, humildade, respeito, integridade e fé. E também sei o significado da nossa base rural para a configuração atual do português brasileiro. Especialmente, espero que as pessoas entendam isso, de uma vez por todas, como traços culturais valiosos e os respeitem como devem ser respeitados. Sei que, na maioria das vezes, as pessoas me olham como se eu fosse uma pessoa excêntrica. E devo ser. Porque eu afirmo, digo e redigo: Eu gosto de estudar. E descobrir. Por isso continuei meu caminho nos estudos. E, enquanto vida eu tiver, quero poder aprender. Essa vida é muito curta e cheia de novidades. Há muito o que investigar. Há muito o que olhar. Gosto das provocações presentes nos livros. Tenho um prazer quase libidinoso quando consigo descobrir, aprender, ver coisa nova. A verdadeira matriz dessa máquina humana que sou é meu cérebro. E o cérebro, líder intelectual humano, supremo órgão da máquina humana, não pode parar. A ele, pai de todas as cognições, de todos os sistemas, de todas as atividades racionais e emocionais, comandante e, ao mesmo tempo, ponte do aprendizado, dou glórias. E graças. Se posso pensar, por que ficar inerte? Se posso agir, por que não (re)agir?

Caroline Cardoso
15.04.2009
Texto originalmente publicado aqui